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8 de Maio de 2024
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    Mercosul: Uma Questão de Soberania

    há 15 anos

    Sérgio Luiz Rodrigues

    Procurador da Fazenda Nacional

    Professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade Paulista

    Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    Apesar de um início promissor, tendo em vista a rapidez com que o acordo visando a sua constituição foi negociado e colocado em prática, o modelo de integração jurídica adotado atualmente pelo Mercosul desperta a atenção também pelo lado negativo, pois reclama a adoção de algumas providências complementares, uma vez que está a apresentar alguns inconvenientes, a grande maioria referente às relações jurídicas.

    Dentre outros fatores destaca-se o fato de as normas do Mercado Comum não serem auto-aplicáveis nos territórios dos Estados-membros, exigindo, para esse fim, o socorro aos processos internos de recepção de normas internacionais.

    No mesmo diapasão está o desrespeito aos objetivos de uniformização das normas, tal como, por exemplo, no que diz respeito à primazia da norma organizacional, ou seja, o fato da regra coletiva não prevalecer sobre as individuais, podendo por essas últimas, inclusive, ser revogada ou modificada.

    Cite-se, ainda, que o Mercosul não dispõe de órgãos jurisdicionais, seus conflitos são dirimidos por tribunais arbitrais ad hoc constituídos especificamente para a análise de cada caso concreto, com isso não há a devida harmonização na aplicação e na interpretação da norma, ou seja, qualquer juiz nacional pode deixar de aplicar norma que venha a ferir os acordos comunitários, o que colabora para o surgimento de uma grande dose de insegurança jurisdicional, colocando em risco o próprio processo de integração.

    Esse modelo, conforme pacífico entendimento da doutrina especializada tem-se mostrado contrário à consecução dos objetivos integracionistas, certo que a harmonização de normas, nos termos adotados pelo Mercosul, ou seja, sem nenhum aspecto de supranacionalidade, está direcionada à consecução de um processo de cooperação, e não, como pretendido pelos integrantes do Mercado do Sul, de uma integração progressiva em busca da formação de uma pretensa comunidade latino-americana.

    O que se propõe é o avanço do processo de integração, ocorre que, porém, esse processo de aperfeiçoamento enfrenta a resistência do conceito clássico de "soberania estatal", conceito desenvolvido para representar o poder dos Estados. O poder soberano implica, externamente, o reconhecimento da independência e da igualdade recíproca frente aos outros sujeitos internacionais, e, internamente, a supremacia desse poder sobre as vontades internas.

    O desenvolvimento da Teoria do Estado moderno criou métodos de repartição desse poder absoluto, como forma de preservar a unidade do Estado como sinônimo de Nação. Surge daí o modelo de Estado Democrático de Direito, baseado no poder como predicado originário do povo.

    A partir desse ponto, os conceitos de poder e soberania se cruzam e se intercalam. Sufocados pelas exigências do poder interno, representado pelas necessidades do povo por justiça social, bem como pelas pressões do poder externo, configurada no risco da interdependência político-econômica, os Estados buscam, em se agrupando, uma forma de fortalecimento para se defender dos perigos da dissolução, seja pela anexação externa, seja pela decomposição interna.

    Esse processo de integração pode ser realizado por meio da formação de uma comunidade entre Estados, nesse caso havendo uma atribuição das competências soberanas inerentes dos Estados em prol da Comunidade, que passa a exercê-las em proveito e no interesse coletivo de todos os seus integrantes, v.g., a União Européia.

    Porém, no modelo de integração adotado pelo Mercosul - baseado em acordos de cooperação, onde os signatários se comprometem a coordenar esforços para a consecução de interesses mútuos - as normas internacionais não têm aplicabilidade direta, só adquirem eficácia interna após a incorporação por todos os Estados-membros, caso contrário podem apenas ser aplicadas como princípio geral ou como parâmetro para a interpretação de outras regras. Uma vez vigentes, não há sobreposição direta sobre as leis nacionais.

    Por isso, as normas de Direito Internacional derivadas de seus órgãos podem se apresentar incompatíveis com normas de Direito Interno de seus membros. Nesses casos, a única saída é a de procurar nos dispositivos normativos internos de cada Estado-membro uma norma que discipline a solução desse conflito.

    Assim sendo, estamos diante de um problema causado pela não-atribuição, ou não-compartilhamento, de soberania pelos Estados-membros, em relação aos órgãos normativos do Mercosul. Em outras palavras, na ausência de um poder normativo supranacional. Nesse ponto, a dúvida que se põe é a de saber se o sistema jurídico do Mercosul pode se sobrepor aos sistemas nacionais, ou se será sempre por esses sobreposto.

    Parece lógico que a questão da relação, ou da hierarquia, entre as normas internas dos Estados nacionais e as normas oriundas das organizações internacionais, como é o caso do Mercosul deve passar, necessariamente, pela análise dos princípios constitucionais e das regras previstas nos ordenamentos jurídicos de cada um desses Estados.

    Percebe-se, portanto, que essa questão está estritamente vinculada à soberania e às competências dos Estados-membros, as quais, na maioria das vezes, estão descritas e expressamente delimitadas nos textos constitucionais nacionais - esses as verdadeiras fontes do poder soberano estatal (autodeterminação), distinto do poder soberano popular (originário) - os quais, portanto, detém o poder de regulamentar a atribuição de parte dessa competência para os outros sujeitos com personalidade jurídica internacional, v.g., as Organizações Internacionais.

    Nessa linha de pensamento, não resta aos sócios do Mercosul outra atitude senão a implementação dos instrumentos constitucionais necessários visando à harmonização de suas legislações e o consequente fortalecimento do processo de integração, possibilitando assim a consecução dos fins propostos pelo Tratado de Assunção, ato de criação do Mercosul.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/mercosul-uma-questao-de-soberania/1491141

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