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20 de Abril de 2024
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    A Constituição e a Administração Pública

    há 15 anos

    Farlei Martins Riccio de Oliveira

    Na sessão de encerramento da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães enfatizou que a promulgação da Constituição significava dar passos rumos às mudanças democráticas: A nação quer mudar. A nação deve mudar. A nação vai mudar. Hoje, passados 20 anos será que a nação mudou? Após tantas emendas a Constituição manteve sua essência? Qual o seu legado para a nação?

    Estas questões têm sido debatidas em vários congressos, editoriais, entrevistas e artigos de opinião. Parece que há um consenso de que o saldo é positivo, não apenas por ter sido o resultado de um grande pacto nacional, ter encerrado o ciclo de poder militar, ter privilegiado as políticas públicas sociais, ter expressado uma força simbólica do recomeço, mas, sobretudo, por ter efetivado o que Peter Häberler denomina de constituição como cultura. Ou seja, a constituição entendida não apenas como um texto jurídico, mas também a expressão de um nível de desenvolvimento cultural, instrumento de representação cultural autônoma de um povo, reflexo de sua herança cultural e fundamento de novas esperanças.

    Mas será que já estamos em condições de realizar um balanço institucional da Constituição? Acredito que a resposta seja negativa.

    Em primeiro lugar, a Constituição completou 20 anos. O que parece muito como idade biológica, é pouco para uma nação. Basta lembrarmos que a Constituição Imperial de 1824 vigorou por 65 anos e foi um documento de importância capital para a nação, pois exprimiu um instante de afirmação soberana em relação a Portugal.

    O Brasil pós- Constituição de 1988 revela-se, portanto, uma jovem democracia de maturidade ainda indefinida. Em segundo lugar, não podemos deixar de considerar as críticas que foram formuladas quando da promulgação e que ainda repercutem no meio acadêmico e político: a Constituição seria demasiadamente detalhista, irrealista, e nasceu na contramão da história.

    Com efeito, o texto passou ao largo das experiências de concisão e objetividade da Constituição americana (7 artigos e 27 emendas) e até mesmo da Constituição brasileira de 1824 (179 artigos). Por outro lado, ao prescrever direitos sociais que até hoje não se tornaram realidade e impor um gasto social que pesou no orçamento público, gerando déficit, sem o retorno da expansão do Produto Interno Bruto (PIB), a Constituição comprometeu a sua efetividade. Por fim, a Constituição foi promulgada numa época em que o mundo passava por transformações tão rápidas que os constituintes não souberam aproveitar, criando um gap que precisou ser corrigido por emendas posteriores.

    Contudo, a crítica mais relevante, observa no legado do constituinte de 1988 uma crise institucional entre os poderes do Estado. O STF, por exemplo, desempenha desde 2007 um papel que lhe aproxima do modelo neoconstitucionalista. Mas, como fruto do ativismo judicial que este modelo supõe, percebe-se um nítido descolamento com o princípio da separação de Poderes. Ademais, a Constituição reforçou o papel do Poder Executivo criando um sistema político com corpo parlamentarista e cabeça presidencialista. A previsão da medida provisória e o fato de que 90% da base governista vota com o governo, permite ao Presidente uma maior ingerência no Legislativo, especialmente sobre o orçamento, criando dificuldades para a oposição.

    Se não bastasse o desequilíbrio entre os poderes do Estado, o constituinte, pretendendo corrigir males e abusos do passado, acabou por criar áreas de suspeição para com as Forças Armadas e o sistema de informação, desarmando o Estado contra o terrorismo e a corrupção.

    No que se refere à Administração Pública, inegavelmente a Constituição inovou. Ao positivar no texto uma série de normas e princípios, vinculando a atividade administrativa a um amplo controle judicial de legalidade e legitimidade, pretendeu afastar as práticas administrativas de conceitos e princípios do patrimonialismo, paternalismo e assistencialismo.

    Todavia, a crítica de que nasceu na contramão da historia, parece-me válida em relação ao projeto constituinte da Administração Pública, pois não atentou para as transformações sociais, políticas e econômicas que aconteciam na época.

    Na década de 70, a crise econômica e social do Estado afetou diretamente a organização das burocracias públicas. Era iminente a refundação da Administração Pública sob novas bases, emergindo como resposta a Administração Pública gerencial. A modernização da Administração Pública com o esse enfoque surgiu primeiramente no Reino Unido, em 1979, nos Estados Unidos, em 1980, e na França, em 1989.

    No Brasil, ainda que na década de 30 e 60 tivéssemos esboçado uma reforma, somente na década de 90, com o lançamento do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, iniciou-se uma reforma administrativa, procurando efetivar aquilo que o constituinte deixou de fazer. Posteriormente, o Congresso Nacional tratou da matéria por meio de Emendas e legislações infraconstitucionais.

    Se essa reforma produziu resultados, se foi capaz de efetivar a transição da Administração burocrática para a gerencial, creio que ainda não podemos avaliar em face do pouco tempo de implementação. O que podemos constatar é que em outros países o processo de aperfeiçoamento e reforma da Administração Pública é contínuo. Na França, o Conselho de Modernização das políticas públicas orientou recentemente o Governo para a adoção de 166 medidas destinadas à racionalização dos serviços do Estado. O arsenal de dispositivos vai da política de habitação à reorganização territorial. Na China, o Partido Comunista apresentou um projeto de reforma administrativa no qual pretende reduzir os níveis gerenciais, tornando a máquina administrativa mais ágil e menos burocrática.

    Não resta dúvida de que o constante aperfeiçoamento da Administração Pública converge para o desenvolvimento econômico sustentável e para a cidadania, não podendo o país deixar de considerá-lo, independentemente da política partidária que adote.

    Farlei de Oliveira é advogado da União e atua na Procuradoria Regional da União (PRU) da 2ª Região, no Rio de Janeiro (RJ)

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-constituicao-e-a-administracao-publica/277546

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